sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Capitulo 6

- Câncer? – Minha mãe ficou subitamente pálida, parecia uma boneca de cera – Eu tenho câncer? – Suas pernas tremeram e ela desabou de joelhos no chão, começara a soluçar lágrimas rolavam de seus olhos e caiam brilhando para seu queixo. Papai pegou água pra ela e sentou no chão ao seu lado. Nunca vi minha mãe tão desesperada. Sam estava ao meu lado, ele tem 4 anos, e não entende o que estava acontecendo, nem eu entendo muito bem... Quer dizer só tenho 5.
- Senhora. Prize... Temo em dizer que sua doença é hereditária.
-Hereditária? – Minha mãe olhou para o médico como se ele fosse um monstro.
- Sim... Pode ser passada para seus filhos – Mamãe lançou um olhar agoniado para mim e Sam – e como sua genética é praticamente a mesma da do garoto... Temo que...
- Não... – Mamãe balançou a cabeça – insisto em uma bateria de testes.
- Senhora eu...
- Por favor... – O médico a olhou de uma maneira estranha, com um afeto quase como pena.
- Tudo bem – Ele se levantou, e estacou em frente a Sam – Poderia me acompanhar pequeno? – Sam olhou para minha mãe, que lhe lançou um sorriso tão triste que senti um arrepio passar pela nuca, ela assentiu e Sam acompanhou o médico para fora do consultório. Mamãe levantou com a ajuda de meu pai, ela andou até mim e disse:
- Amor, vamos esperar seu irmão lá na porta, tudo bem?
- Ele ta doente? – perguntei, minha mãe e meu pai trocaram olhares aflitos e disseram:
- Vai dar tudo certo – Mas não foi isso que eu perguntei. Saímos do consultório do médico e ficamos sentados num sofá em frente a sala de exames. E então Sam saiu de lá com um pirulito na boca, o médico o olhou para minha mãe. Ele não disse nada, mas seu rosto...
 Mamãe abraçou Sam chorando, ele por sua vez não entendeu nada.
- Senhora, seu câncer não é do tipo terminal se você tratar corretamente – Ela olhou para o médico.
- O que quer dizer?
- Tem uma injeção aplicada semanalmente, que pode ser feita até mesmo pela senhora. Ela retarda o processo do câncer. Enquanto vocês a injetarem, vai ficar tudo bem.
- E se não injetarem? – Perguntei, me arrependendo da pergunta assim que a fiz.
- Seus órgãos seriam atrofiados, e morreriam.

Dias atuais.
- É você mesmo? – Disse Drew. Eu senti como na vez que nos conhecemos. Eu envergonhada, sem saber o que dizer, e ele tentando me fazer falar. Andei até ele e fiquei em sua frente. A luz da vela tremeluzindo em seu corpo. Agora eu consigo vê-lo. Ta mais alto, o cabelo mais comprido, pele mais bronzeada, os ombros mais largos, machucado, sujo, calça preta, tênis, jaqueta de couro surrada, mas os olhos. Continuavam com aquele brilho que faziam minhas pernas tremerem – Você continua boa com flechas – Ele sorriu. Aquele sorriso.
- Eae Drew.
- Oi Sam – Ele olhou em volta procurando por Buddy, e antes de pensar em perguntar ele viu a lápide em baixo da árvore. Olhou para mim com dúvida e viu a coleira em meu pescoço, minha respiração ficou mais rápida, minhas pernas começaram a tremer e eu desmoronei em seus braços. Apaguei.


O que é isso? Meu quarto? Eu estou no meu quarto? A mesa de cabeceira está um pouco empoeirada, mas continua sendo meu quarto. Sam está sentado numa cadeira ao lado da cama fazendo alguma coisa com a minha testa, eu não sinto meus dedos. Não sinto nada. Desci meus olhos até meu braço esquerdo, tem uma agulha espetada nele. Tem sangue vindo de uma bolsa transparente até meu braço. De quem é esse sangue?
- O que você fez Samuel?
- Fique quieta, já estou terminando – Sam parecia mais cansado do que de costume. Alguns raios de sol passavam pelas frestas da janela. Já é de manha. Eu me sinto bem, muito bem, Porque eu me sinto bem? Meu cachorro morreu, e eu me sinto melhor do que a muito tempo.  O que aconteceu ontem? Drew está aqui. A então é isso.
- O que você está fazendo?
- Dando pontos em sua testa – Ele cortou a linha com uma tesoura – mas agora eu já terminei, provavelmente vai se sentir bastante dor quando passar o efeito da anestesia, mas isso é normal.
- Seu sangue é B negativo – Eu disse me sentando na cama.
- Eu sei.
- O meu é B positivo. Como o do papai.
- Também sei disso.
- Então da onde você tirou esse sangue?
- Drew tem seu tipo sanguíneo – Olhei pra ele. Ele respirou fundo e soltou o ar. Ele está definitivamente exausto. Mas fez um bom trabalho. Quando Sam estava no segundo ano do ensino médio minha mãe o obrigou a fazer um curso de enfermagem, e até comprou algumas coisas pra ele. Ele ficava com tanta vergonha de fazer isso, que acabou escondendo as coisas que minha mãe comprou; 
- Aquele curso de enfermagem foi bastante útil, não? – Disse. Sam olhou pra mim com um sorriso meio triste quase falso e disse:
- Eu vou dormir um pouco – Eu assenti, e ele saiu do quarto.
Meu coração não batia rápido assim a muito tempo, isso eu tenho que agradecer a Drew. É como eu disse, alguma coisa em sua atmosfera fazia tudo ficar feliz. Lembro o jeito que Buddy corria atrás dele sempre que ele vinha, ele amava Drew. E se estivesse aqui, estaria feliz. Esperei o sangue acabar de descer, peguei um algodão coloquei em cima da agulha e a retirei. Prendi o algodão com uma fita bege, como aquela que os médicos colocavam depois que você tira sangue.
Fui até o banheiro que tinha dentro do meu quarto e tomei um banho. Lavei meu cabelo, esfreguei em baixo da unha, escovei meus dentes, coloquei minha camiseta do Batman, passei perfume. O tipo de coisa que eu costumava fazer e que não faço pelo menos a dois meses. Que foi quando finalmente a água parou de vir, mas como aqui tem poços de água tem água suficiente para beber e tomar banho.
Não tinham tantas olheiras em baixo dos meus olhos, e minha aparência mudou bastante. O que uma boa noite de sono e um banho não fazem?
Coloquei a coleira de Buddy na mesa ao lado da minha cama, e então sai do quarto.
Drew estava sentado no ultimo degrau da escada, ele tomou banho também porque seu cabelo esta molhado,trocou de roupa, ta com a camiseta do Foo Fighters do Sam. Suas costas largas me chamavam para abraça-lo. Mas eu não o fiz. Ele passava a mão em seus cabelos negros que por sua vez dançavam sobre sua nuca, desci com cuidado as escadas parei no penúltimo degrau, me inclinei e sussurrei em seu ouvido:
- Ta pensando em que? – Ele teve um leve sobressalto, olhou pra mim com os olhos brilhantes e um sorriso elétrico. Eu sorri pra ele, com sinceridade, com felicidade, um sorriso que eu não deixava fluir em meu rosto a muito tempo. Drew tinha esse dom. Arrancar boas coisas de mim. Eu estava perto de seu rosto, me afastei devagar e sentei no mesmo degrau que ele.
- Eu estava pensando em como você estava.
- Eu to legal, obrigada pelo sangue.
 -Você me assustou bastante lá fora. Caindo daquele jeito, toda pálida. Não faça mais isso.
- Desculpa. É que... Tem muita coisa acontecendo.
- É... Sam me contou – Olhei em direção a janela, e conseguia ver a mangueira dali – Sinto muito.
- Eu também.
- Sabe, todos ficamos ruins em tempos como este. Quer dizer, além de ter cuidado com zumbis e sofrer a morte de entes queridos tem a pressão de superar isso rápido.
- Onde você quer chegar?  - Perguntei arrumando o cadarço do meu all star preto.
- Que nós temos que nos divertir. Fazer o que der vontade, falar o que der vontade – Ele segurou minha mão – vem comigo.
Drew me levou pra cachoeira, me ajudou a subir a pedra e sentou ao meu lado.
- O que aconteceu com você? – Perguntei.
- Minha irmã foi pra casa dos meus avós e não tenho noticias dela – Ele deitou na pedra com as duas mãos segurando sua cabeça. Eu continuei sentada, ouvindo – Meu pai foi mordido, e depois que se transformou mordeu minha mãe. Tive que matar os dois.
- Sinto muito – Disse.
- Sem problemas. No inicio eu fiquei triste, mas depois me dei conta que não foi tão ruim.
- O que quer dizer?
- Bom, você consegue imaginar eu, meu pai e minha mãe viajando? Matando zumbis por ai? – Ele olhou pra mim – Não... Minha mãe não matava nem uma barata, ela não conseguiria aguentar o sofrimento e a agonia de viver num mundo zumbi. Talvez tenha sido melhor assim.
- Talvez... – Sussurrei pensativa. Como será que minha mãe, meu pai, tio Ben e tia Trisha tem se virado? Eu nunca pensei nisso antes, estava ocupada demais pensando em não morrer para perguntar. Talvez eu devesse. Drew segurou minha camiseta e me puxou para si. Fiquei deitada de perfil com meu rosto perto do dele. Ele virou pra mim também, passou o dedo em minha testa.
- O que aconteceu?
- Nada – Eu sentia uma necessidade de estar com ele, de ficar com ele, de abraça-lo, tê-lo comigo até o fim.
- Você é sempre tão misteriosa. É difícil saber o que está pensando – Eu olhei em seus olhos, e percebi que apesar de tudo que o aconteceu, ele não mudou. O brilho cristalino em seus olhos, seu sorriso é o mesmo. Ele não mudou nem um pouco.
- O mistério é parte da magia. Se souber o segredo, a magia acaba – Respondi.
- A magia acabaria?
- É... Você se cansaria – Ele se aproximou de mim.
- Eu nunca me cansaria de você - ele ficou simplesmente olhando em meus olhos por alguns segundo e depois desviou o olhar para a cachoeira. Se sentou e tirou a camiseta. Seus braços estavam mais musculosos do que eu me lembrava – Vamos? – Hesitei alguns instantes, alternando meu olhar de seu rosto e seu tórax.
- Bom... Por que não? – Ele sorriu. Tirou o tênis. Eu tirei minha camiseta, meu tênis. Ele continuou com a bermuda e mergulhou. Eu mergulhei depois, nadei até próximo da cascata. Drew ficou boiando por algum tempo e eu o observei. Ele afundou, e me levou consigo. Drew segurou meu rosto com delicadeza e firmeza e então me beijou. Nós submergimos com nossos lábios ainda colados, eu me sinto bem. Quando travamos um guerra com nós mesmos temos que nos preparar para um apocalipse interno. Mas quando essa guerra acaba, revemos a beleza que ainda representamos.

Sinto que minha guerra tem apenas começado.

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