A vida
consegue nos enganar direitinho. Você pensa que está fazendo tudo certo, e de
repente a situação da uma guinada incrível e... Tudo pelo o que você lutou, vai
pra lama. Perdemos mais um amigo, mais uma parte se foi. Conseguia ver a
felicidade evaporando do corpo de cada um de nós. Eu sentei no sofá do lado do
corpo de Simas, seu corpo frio e inerte no esquecimento obscuro da alma. Sua
cabeleira castanha, e seus olhos de mesma cor que eu não voltaria nunca mais a
ver. Aquele fio de felicidade maliciosa encontrada em seus olhos, aposto que
esse garoto era uma peste na escola. Nós sabíamos o que iria acontecer, ele
mais cedo ou mais tarde iria voltar. Ninguém queria estar aqui quando
acontecesse. Todos foram para o jardim da casa cavar sua sepultura. Ethan ficou, sentado numa poltrona com as
mãos cruzadas e a cabeça baixa. Ele parecia estar mais com raiva de si mesmo,
do que triste pela perda. Embora eu ache que os dois estão ligados.
Quando
Simas voltou, eu já estava determinada a fazer o certo. Peguei a faca da meia.
- Você não
tem que fazer isso – Ethan se levantou.
- Eu tenho
sim – Simas levantou a cabeça, eu abaixei seu tórax com a mão. Enfiei rápido a
faca na lateral de seu crânio. E ele se aquietou rapidamente. Ethan me ajudou a
levar o corpo dele, para fora. Para enterrar. Quando minhas amigas da escola
faleceram minha mãe disse “Deus sempre sabe o que faz querida” essa frase veio
a minha mente agora, e tanto hoje quanto naquele dia eu fiquei pensando “será
mesmo que ele sempre sabe o que faz? ”
Enquanto a bíblia falava sobre ressurreição eu tinha uma ideia diferente
do que seria... Mas fazer o que... Em quanto não houver mais lugar no inferno,
os mortos andaram sobe terra, buscando um espaço pelo purgatório. Acho que hoje
não vamos mais viajar. Entramos, sentamos a mesa e comemos. Em silêncio... E o
silencio responde até aquilo que não foi perguntado. E isso significa que
ninguém precisava falar nada, pra sabermos que todos sentíamos muito.
- Então...
– Começou Link, engolindo macarrão abolonhesa – O que aconteceu no hospital?
- Prenderam
os pacientes dentro das salas – Respondeu Ethan.
- E esses
cortes? – Perguntou Link, tentando manter a conversa ativa.
- A gente
pulou pela janela – Respondi.
-
Normalzinho – Disse Link, dei um sorriso sem graça pra ele. Boa Link, mas não
deu certo.
- Acho
melhor a gente prosseguir, não é bom ficar parado – Comentou Ethan.
- Bom,
minha barriga ta cheia agora – Link passou a mão circularmente pela barriga.
- Ainda
temos gasolina?
- Não temos
nem carro – Não aguento mais ficar quieta. Fui até a sala e peguei um cigarro.
Cigarros fazem mau, mas pra mim é uma puta terapia. Sai, soprei a fumaça. Olhei
ao longo da rua, mais ao longe vi um engarrafamento de carros. Um deles tem que ter gasolina
– Me faça
um favor? – Nathan apareceu atrás de mim tão inesperadamente que eu me
assustei.
- O que?
- Não saia
sozinha.
- Preciso
ficar sozinha um pouco. Pensar.
- Sabe que
não foi sua culpa, não é? – Nathan me parou, me torturou obrigando-me a olhar
em seus olhos verdes, parecia até que ele conseguia me ver por dentro quando
olhava nos meus olhos – deve ser a genética... Ethan também é assim - seu olhar
de compreensão queimava minha alma. Não sei o que eu quero, não sei se quero
gritar, bater em alguém, matar um errante, tocar guitarra, ou apenas ouvir
música só para extravasar a frustração; mas acho que tudo que tenho no momento,
é Nathan. E conversar nunca foi meu forte.
- Será?
Será mesmo? – Desviei o olhar, mas Nathan me forçou a voltar pra ele.
- Não foi.
Vocês estavam presos dentro daquele hospital. Pelo amor de Deus pularam de uma
janela! Ora isso vale de alguma coisa.
- Não
chegamos a tempo, e é isso que importa. Se tivéssemos chegado antes ele... –
Como odeio isso, lágrimas escorreram dos meus olhos, não era pra isso ter
acontecido, mas agora já era, comecei então termino – A verdade é que foi tudo
em vão. Quase morri... Ta mais idai? Se
eu fosse mais rápida. Se eu tivesse conseguido puxar a escada sozinha. Se eu
tivesse impedido Ethan de ir comigo, ele não correria perigo. Se... Se eu
tivesse ido sozinha, quem sabe não tivesse deixado Ethan quase morrer também.
- Tem
muitos "se" nessa fala... Não acha? Primeiro nada disso é culpa sua,
aceite a realidade e pare de se torturar. Segundo: Ethan sabe se virar muito
bem sozinho, passado é passado não dá pra voltar atrás então viva o agora.
- Mas se eu
pudesse mudar, eu..
- De novo
esse "se". Não teve nada haver com você, não se culpe por uma coisa
que foi desenvolvida pelo Destino. Essas coisas acontecem - Senti mais lágrimas
rolarem pelo meu rosto - Hey.... Não chora. Tudo bem? Melhorou? - Nathan passou
a mão pelo meu rosto, secando as lágrimas. Nathan parecia Jason em muitos
aspectos, mas o melhor é o "levanta moral", tanto meu irmão quanto ele
são ótimos pra fazer você se sentir melhor. Abracei Nathan - não é tão bom
quanto o de Ethan, mas é gostoso - você não sabe como é bom um abraço de um
amigo quando se está deprimida. As vezes em alguns momentos a vida, faz você
mudar. Ficar fria. Isso pode ser muito bom ou muito ruim, depende da situação.
- Agora eu
to bem melhor. Obrigada - Joguei o cigarro no chão e pisei em quanto soprava a
fumaça.
- O que
está acontecendo aqui? - Ethan apareceu com três latas de Red Bull.
- Nada, por
quê? - Ethan não respondeu, ele se aproximou e entregou uma latinha para cada
um de nós.
- Acharam
algum carro?
- Tem um
engarrafamento mais a frente.
- Podemos
checar - Tomei mais um gole do Red Bull e andei atrás deles. Engarrafamento? Não... Isso ta mais pra
entulho de carros. Um carro chocado contra o outro, no que parece ser a maior
batida de carros da história... Uns 60 carros, todos presos na traseira do
outro. Andamos entre eles procurando gasolina, alguns minutos depois Nathan
chamou a mim e Ethan com os braços.
- Acho que
esse está cheio.
- Vamos ver
- Fiz uma ligação direta - Está certo. Está lotado.
- Legal,
vamos na casa pegar algumas garrafas pra pegar essa gasolina ai - Disse Ethan
parando mais a frente. Nathan colocou a mão no volante e disse baixo:
- A gente
pode pegar aquela ferrari ali - Eu sorri.
-É... Em
dias comuns, aquilo seria meu sonho de consumo.
- Então é
nós - Tocamos as mãos com um soco, e rimos baixo.
- Nathan é
pra hoje caramba - Reclamou Ethan.
- Tudo bem
- Fiquei observando os dois se afastando no horizonte. Olhei em volta pelo
carro e vi um celular no chão. Na parte de trás a janela respingada de sangue
seco escorrido e que tinha pingado numa cadeirinha de bebe. Voltei o olhar para
o celular "50 % da bateria" e a playlist era incrível, coloquei o
fone de ouvido e liguei ''Best of you - Foo Fighters". Sai para fora do
carro, amassei a latinha vazia do energético e joguei no chão e abri a bomba de
gasolina, Click:
- Não se
mova gatinha - Uma voz masculina surgiu das minhas costas, e ele estava armado.
Dica: É apenas uma questão de senso não discutir com um homem armado- Bom...
Bom... Vem cá. Não tenha medo...
- O que
você quer? – Passei tanto tempo com errantes que esqueci que além de nós ainda
existiam pessoas, e também esqueci o fato de não sermos tão diferentes dos
zumbis.
-
Sobreviver – Ele me virou bruscamente pelo braço, fazendo o celular cair no
chão, vi seus olhos pretos sem vida, barba por fazer, grisalho, caucasiano.
Tinha duas mulheres atrás dele. Parte boa: Elas não estavam armadas. Parte
ruim: Ele estava – Tem alguma coisa pra mim?
- Não,
estou sozinha – Rezando para nenhum dos dois voltar.
- Porque será
que não acredito nisso? Odeio mentiras. Esse carro é seu?
- Não, só
estou tentando sobreviver como vocês – Ele gargalhou friamente.
- Vadias
sempre mentem – Olhei no fundo daqueles olhos sem alma, frios e percebi que não
tinha volta. Ou eu lutava pelo o que eu consegui. Ou deixo eles levarem tudo.
Ou morro tentando. Ouvi sussurros vindos ao longe, é hora de agir. Chutei ele
nas partes baixas, ele gritou e se curvou. Corri e pulei nas costas dele,
coloquei meu braço envolta do seu pescoço enforcando-o. Uma das mulheres veio
por trás, e eu chutei ela. Estiquei meu braço.
- SOLTA! –
Os paços aumentaram, e os dois vinham correndo a nosso encontro. Segurei a
arma. Um tiro acidental, o homem já ficara vermelho, não respirava direito.
Apertei o enforcamento, e estiquei mais o braço. Peguei a arma. Soltei o homem.
Ele caiu de joelhos. Os passos cessaram, apontei a arma pra ele e as mulheres
fugiram. Ele se levantou: Acredite é mais difícil matar um vivo, do que um
morto. O homem agarrou os braços e apontou pra cima segundos antes de eu
atirar. Segurou minha garganta com força e me ergueu no ar.
- Sarah? –
Ouvi a voz de Ethan vindo para nós.
-É seu
namorado? – Não conseguia respirar direito, o sangue pulsava na minha testa.
Senti movimento vindo de trás, Nathan e Ethan voltaram ao meu campo do visão, o
homem me levou para o meio da estrada e me largou no chão, tossi aliviada por
conseguir respirar de novo. O homem recarregou a arma – Então ele vai amar ver
isso. Ei garotos, sua ultima chance! O que vocês tem?
- Pra você
nada – Respondi sem fôlego – VÃO EMBORA!
- Resposta
errada.
- SARAH! – A
voz de Ethan pairou alguns segundos do ar antes dele atirar na minha coxa.
Pensei ter
sentido toda dor do mundo mas isso com certeza ganha de qualquer coisa que eu
já senti. Um tiro na perna, é como se você pegasse uma agulha em chamas e
fizesse um buraco na própria carne, depois colocasse gelo em cima. Só que a dor
continua alucinante, enchendo seu cérebro com ela. Soltei um grito
involuntário. Senti lágrimas de pura raiva e repulsa arderem nos meus olhos. Pressionei
o ferimento na coxa, sangrava pra caramba. E a dor só piorou, cai. Olhei pra
frente, Ethan pulava sobre os carros para chegar até nós, ele dei impulso na
traseira de um carro amarelo, e pulou no vidro dianteiro de um carro vermelho.
Ele veio correndo muito rápido até nós o homem atirou, mas não pegou nele.
Ethan agarrou ele pela cintura e o derrubou no chão. Nathan vinha correndo
abaixado por trás dos carros, ele veio até mim e me tirou na linha do perigo,
me arrastando com ele para trás do carro.
- Muito
bem, muito bem, calma. Calma Sarah, respira, respira.
- O pânico
está se instalando em você Nath. Eu que levei o tiro. - Olhei por cima do capo
do carro, Ethan socava sem piedade o rosto do homem cujo o tiro, ainda arde na
minha perna. Ethan estava vermelho pela raiva, desferindo cada golpe sem
nenhuma piedade. Descarregando toda frustração, ele sempre me pareceu calmo.
Vê-lo se descontrolando desse jeito é muito assustador. O homem agarrou a
garganta de Ethan, e ele o pulso do homem abaixou o braço dele pro chão e com a
mão livre golpeou o cotovelo quebrando o braço do homem. Ethan pisou com força
no tórax dele, e chutou seu rosto. O homem parou de se mover, no entanto toda
essa movimentação atraiu a atenção de outros vivos – por assim dizer – cujo a presença
não é tão aclamada. Tiros, gritos, luta, qualquer um ouviria. Um grupo pequeno
de 20 errantes vinha dobrando a esquina. Consegui ver mais um grupo atrás mais
ou menos 30 errantes em cima de dois corpos – as mulheres que estavam com
aquele homem – temos que sair daqui. E muito rápido.
- LINK!
LINK! – Berrei, já estamos bem ferrados. Se é pra nos salvar foda-se. Link estava escondido atrás de um carro junto
a Lisa e DJ– VENHAM LOGO A GENTE VAI SAIR DAQUI! Cadê as garrafas? – Perguntei a Nathan. Senti
a bala se mover, ela foi mais a dentro no meu músculo, a dor passava pelo meu
cérebro, o sangue derramava pela perna, quase me forçando a desmaiar e eu me
forçando a não desmaiar.
- Ethan
achou um carro mais a frente com gasolina, já transferimos ela pra Ferrari –
Nathan me levantou a me pegou no colo. Ethan pegou uma faca e enfiou na cabeça
do errante, o homem recobrou a consciência e quando se deu conta do que estava
acontecendo gritou. Pediu ajuda para todo mundo, no fundo me senti mal por
tê-lo deixado ali. Mas eu sabia que se fosse ao contrário ele nem hesitaria.
Segundos se passaram e meus ouvidos apenas se tamparam para os gritos de dor
agudos e desesperados do homem, meu coração se fechou a isso, e eu deixei
Nathan me levar para o carro, abracei forte o pescoço dele alheia ao sofrimento
do outro. Entramos na ferrari, a blusa de Nathan estava ensopada pelo meu
sangue. E ele estava em pânico, lívido porém firme e determinado, pegou uma
pinça. Link acelerou. Ethan estava do meu lado, Nathan me deitou e eu coloquei
a cabeça no colo de Ethan, estiquei a perna, Nathan pegou uma pinça e tentou
tirar a bala do buraco. Puta merda, isso dói muito. Ethan tremia, era
assustador ver ele desse jeito. Queria ajudá-lo mas nem sei qual é o problema
dele. Ele passava a mão no meu cabelo tentando me reconfortar, como se quisesse
arrancar a dor, mas nós sabíamos que ele não podia. Minha visão ficou embaçada.
E eu desmaiei.