domingo, 28 de abril de 2013

Capitulo 8 – Hospital Sant Los Angeles.


Andamos duas quadras e já conseguimos chegar até o restaurante. Não tem cheiro mais torturante do que de comida, pra quem está morrendo de fome. Nathan pegou duas bolsas na cozinha do restaurante, entregou uma pra mim e levou uma com ele. Nos espalhamos pelo lugar, Ethan me ajudou a colocar comida dentro da bolsa. Não sei por que, mas não conseguia olhar no rosto dele. Não deveria estar assim... Quer dizer, a respiração boca a boca salvou a vida dele. Então, porque eu nem consigo olhar pra ele?
Ninguém disse nada. Estávamos molhados, com frio, cansados e com fome. Estava tudo tão quieto que se caísse uma pena todos iriam ouvir. A comida ainda está quente, peguei uma garrafa de água da geladeira desligada, minha garganta seca foi invadida pelo alívio. Peguei cigarros, isqueiro, energético – Monster, Red Bull - chocolate, chicletes, pirulitos e balas do balcão.
DJ voltou correndo dos fundos do restaurante, desesperado. Mancado, deixando um rastro de sangue por onde passava.
- Se escondam – Sussurrou ele. Antes de eu entender o que estava acontecendo, Ethan me puxou pro chão. Eu conseguia ver algumas coisas por de baixo do balcão. Dez errantes com roupas de cozinheiros manchadas de carne e sangue, que provavelmente não eram de animais, vinham rastejando com suas línguas pretas lambendo o chão pingado de sangue. Lisa estava atrás de um mini sofá junto com Simas. Link estava atrás de uma poltrona atrás de mim, Ethan estava na minha frente. Nathan estava atrás de uma mesinha, junto com DJ. Os errantes se separaram, alguns vinham para minha direção. E alguns continuaram no rastro do sangue que DJ tinha deixado. Eu conseguia sentir o calor da respiração de Ethan, ele estava a centímetros de mim. Eu me sentia tão vulnerável, me escondendo assim em quanto eles passeiam pelo restaurante, e nos encontrem a qualquer minuto. Deslizei minha mão até a meia do tênis, e tirei minha faca de lá. Segurei ela pelo cabo, com a lamina virada pra baixo, minha mão tremia. Não sei se de medo, ou de frio. Muito provavelmente os dois. Ethan colocou sua mão quente em cima da minha.
- Calma...Calma – Sussurrou ele. Foi a primeira vez que eu tinha olhado em seus olhos desde a prisão. Aqueles olhos azuis – assustadoramente parecido com os de Jason - que sempre que encontravam a luz do sol brilhavam. Era tranquilizador olhar pra ele. Eu gostava disso. Parei de tremer.
Olhei por de baixo do balcão de novo. Os errantes estavam chegando muito próximos de Nathan e DJ. E tinham dois acima do balcão. Minha respiração parou, tudo correu em câmera lenta. O errante com o avental com pedaços de carne grudado nele, colocou as mãos em cima do balcão, arreganhou os dentes, e grunhiu. Deixando sangue preto escorrer da sua boca, caindo no avental como se fosse um babador.  O zumbi cheirou o ar, como se fosse um animal casando sua presa e depois saiu.
- Temos que ajudar seu irmão – Sussurrei.
- Ele sabe se virar sozinho.
- Ele não está armado – Levantei a cabeça, pronta para sair correndo e atacar, mas Ethan abaixou ela.
- Não seja idiota, temos que fazer isso em silencio.
- Ou não... – Ethan não entendeu nada. Olhei ao redor, peguei uma garrafa de Wisky – Link abra a porta – Link esticou o pé, e abriu um fresta na porta, me arrastei até perto dela e joguei a garrafa contra a parede da cozinha. A garrafa se espatifou, derramando Wisky por todo chão. Eu, Link e Ethan corremos agachados para o outro lado da sala, os errantes passaram por trás de nós e entraram na cozinha. Pegamos as mochilas e corremos escada acima. Subimos as escadas mais rápido que pudemos e fechamos a porta – Eu não vou cumprir aquele pacto tão rápido... – Disse eu a Nathan. Ele sorriu.
- Que pacto? –Perguntou Ethan, olhando de Nathan pra mim. Nenhum de nós respondeu – Que pacto?
 -Nada.
- Não, agora eu quero saber. Que pacto?
-Nada Ethan.
-Olha pessoal temos um problema maior. – Disse Simas – Como saímos daqui?
- Acho que tem uma escada de acesso, por aqui... – Disse andando até a beira do telhado. – Achei – Agachei e empurrei a escada, nada – Não consigo desprender.
- Eu te ajudo – Fui pro lado, Simas agachou e se debruçou contra a escada, empurrou ela a escada rolou pra baixo, e quando chegou ao final deu um tranco, Simas que ainda a segurava foi levado com ela e ficou pendurado.
- Simas! Segura minha mão! Segura! – A escada continuava travada no meio do caminho. Simas estava a cinco metros do chão, Eu me segurei no parapeito do telhado, estiquei a mão, a escada desprendeu. Simas despencou do alto, e caiu no chão com força com a escada prensada contra seu peito. Sangue jorrou para fora de sua boca, ele segurou no degrau da escada e levantou ela o suficiente para que ele pudesse sair de baixo e respirar. Eu desci rápido – Simas você está bem? – Ele desmaiou em cima dos meus braços. Eu cai no chão, Nathan sentou ao meu lado e levantou a blusa dele. Um corte profundo no meio do tórax dele. Sangue pra todo lado.
- Precisamos rápido costurar isso aqui.
- Você não tem mais nada no seu kit – Disse.
- Eu sei – Ele olhou ao redor – A mais ou menos duas quadras daqui tem um hospital. Vê?  - Ele apontou, olhei pra trás e assenti.- Precisamos de tudo que tem lá.
- Então vamos levar ele pra lá.
-Ele não pode viajar por duas quadras. Ele tem que ficar parado. Se não piora – Disse Nathan.
-Vocês ficam naquela casa ali – Eu apontei para uma casa do outro lado da rua – Eu vou pro hospital. Só me diz o que eu tenho que pegar.
- Eu vou com você – Disse Ethan.


Levei minha arma, uma faca e machado. Ethan só levou uma arma. A rua estava vazia, mas o hospital...
Pensem comigo, quando você fica muito doente o que seus pais fazem? Te levam pro hospital. No inicio no tempo da epidemia, todo mundo ia pro hospital. E provavelmente ainda estão lá. Ethan abriu com o ombro a porta do hospital que fez um rangido daqueles filmes de terror. Depois fechou a porta com um pedaço de madeira do chão, caso tenha algum errante perdido ele não vai sair. Logo na entrada o cheiro invadiu minhas narinas e pulmões, quase me sufocando e me fazendo vomitar. Eu e Ethan colocamos a blusa no nariz. A luz que entrava no hospital só eram as das janelas. E os únicos sons que eu ouvia eram dos nossos passos. Tinha sangue nas paredes e janelas. Um braço aqui, uma cabeça com os olhos ainda se mexendo ali, uma perna lá.
- Onde tem aquelas coisas que o Nathan falou? – Sussurrei.
- Na sala principal. – Ele olhou pelo corredor – Aqui – Abriu a porta e fechou com a mesma rapidez – puta que pario, sorte que é bom... Passou longe – Ele não precisou nem explicar pra eu entender. Eles prenderam os pacientes dentro das salas.
- O que você sugere?
- Não faço ideia – Não temos tempo pra pensar, a gente entra e pronto – Temos que agir logo.
- O que você acha? A dupla Sherlock e Watson entram e acabam com eles? – Lembrei do dia em que eu estava presa dentro do carro com medo, falando com Ethan pelo walkie-talkie em quanto um horda de zumbis passava por mim. Sherlock e Watson eram os nossos nomes na conversa. Eu adoro os filmes, e acho que pensar racionalmente tranquiliza.
- Pronta Sherlock? – Perguntou ele colocando a mão na maçaneta, e sorrindo.
- Claro Watson. – Ethan abriu a porta, tinha apenas cinco errantes. Atirei na cabeça do primeiro – erro número um - e ouvi o som ecoando por todo hospital. Os errantes dos outros quartos grunhidos, e batendo suas mãos mortas na porta. Decapitei outro zumbi com o machado. Foi bem mais simples do que eu pensava. Ethan pegou os aparelhos e colocou dentro da mochila, a porta dos fundos caiu errantes correram pra nós. – Vai logo com isso Watson, não temos tempo. – Fui ganhar tempo pra gente na porta. Arranquei a cabeça do primeiro, afundei o machado no meio do crânio do outro. Afundei a faca no estomago de um, e ele caiu em cima de mim, com dois atrás dele empurrando. Minha mão esquerda estava presa em baixo do meu corpo. Com a mão na faca do estomago do errante eu afastava ele no meu pescoço.Tirei minha mão de baixo do meu corpo, e coloquei em volta do pescoço dele, tirei a faca no estomago dele e senti seu frio sangue preto escorrendo pela minha blusa e short. Enfiei a faca na cabeça dele. Escorregou mais sangue pelo meu pescoço e um pouco no rosto. Peguei a arma e mirei na cabeça do cadáver já morto e atirei. Não fez barulho. A bala passou por todos os crânios. Mais sangue em cima de mim.  Me levantei, o ultimo errante parecia confuso comigo. Não sabia se eu era ou não uma zumbi. Ele arreganhava os dentes, e depois recuava. Tentava sentir meu cheiro. Eu fui até ele, e enfiei a faca no testa. O cheiro era alucinante, carne podre, corpo em decomposição, sangue vencido, vermes sobe o corpo do errante. Eu nunca teria imaginado nem no meu pior pesadelo uma cena assim. Sempre vi filmes de zumbis – achava muito maneiro – mas sentir o medo na pele é bem pior. Você não sabe se morre agora, ou daqui a dois segundos. Mas se pensar bem sempre foi assim. Você poderia sair na rua e meterem uma bala na sua cabeça, ou ser atropelado por um carro. Eu juro que já mandei muito motorista ir se foder no transito, mas agora eu daria tudo para ouvir o barulho dos carros. Os gritos irritados das pessoas. Ou minha mãe brigando comigo porque não lavei louça. De qualquer forma, se olhar direito o mundo não mudou tanto. O mundo na realidade sempre foi um purgatório. Você fica nele apenas esperando o dia em que vai ser mandado pro paraíso ou pro inferno. Até lá você continua no purgatório, ou seja, mundo. Agora é a mesma coisa. A única diferença é que mesmo se morrer você não morre.
Uma porta se abriu, caraca saíram muitos. Eu recuei.
- Temos um problema Sherlock? – Perguntou Ethan de dentro da sala.
- Elementar meu caro Watson, problemas são obstáculos que encontramos no caminho para onde queremos chegar, isso que temos agora não são obstáculos é um apocalipse.
- Estamos fodidos?
- E como – Ethan correu para fora, olhou. O corredor começou a se encher  com os mortos em movimento. Outra sala se abriu, e outra. Parte boa: A porta principal está trancada, eles não podem sair pra fora. Parte ruim: A porta principal está trancada, nós não podemos sair pra fora.  Desferi o primeiro golpe com o machado, uma faixa negra de sangue espirrando pela parede. Ethan enfiou a faca no meio da cabeça do outro.
 – O que a gente faz Sarah?
- Bom... Esperava que você tivesse uma ideia – Eu recuei e olhei pra trás, vi uma maca. Minha mãe dizia que andar de skate era perda de tempo, não concordo. Corri até a maca, dei impulso e pulei em cima. A maca atropelou 10 zumbis, eu dei um giro de 360º graus, atropelando mais. E afundando a rodinha na cabeça de alguns. Acho que quebrar o braço andando de skate valeu a pena. Pulei da maca, empurrei ela contra os corpos em movimento. Ethan me ajudou. Prensamos os corpos contra a parede com tanta força que a cabeça de um explodiu para fora do pescoço.
Ouvi barulho de pés arrastados, cheiro de carne rançosa e grunhidos vindos de trás. Mais zumbis vindo de baixo.
- Ethan...
- Eu tenho uma ideia... Mas é loucura...
- Antes ideias loucas, do que ideia nenhuma.
- Segura aqui?
- Eu tenho escolha?
- Não – Ethan correu até a sala, e eu ouvi coisas caindo no chão, outras quebrando. Os errantes prensados contra a parede estavam se agitando. Eu segurei a maca com o cintura, e peguei o machado. Um movimento brusco e rápido. Cortei a cabeça dos quatro de uma vez. Os errantes que subiam a escada até nós se aproximando com cada vez mais rapidez.
- ETHAN! – Ele bateu a porta da sala fazendo um errante colidir contra ela e cair no chão.
- Vem – Corri para a sala, Ethan fechou a porta. Ele estava com uma corda na mão. Não me pergunte onde ele conseguiu uma dessas... Ou melhor, porque tem uma corda no hospital? Pros pacientes se suicidarem? Ethan enrolou a ponta da corda, como se fosse laçar um boi. Os errantes batiam feroz e violentamente a porta. Conseguia até ver rachaduras no meio dela. Pensei em Simas... Quanto mais perdemos tempo aqui, pior a situação dele fica. Mas... O que podemos fazer? Estamos numa fria pior ainda agora. Ethan laçou um gancho de ferro – aqueles ganchos que quando engessam seu pé, eles prendem para ficar com o pé pra cima – e prendeu firme. Ele abriu a janela, e olhou pra baixo.
- Não... Você ta de brincadeira comigo. Não... Eu não vou.
- Porque não? Tem medo de altura?
- Talvez – Não, eu não tenho medo. Eu tenho horror, pânico, loucura, sei lá. Odeio. Ethan segurou minha mão, e me puxou para perto dele.
- É a nossa única esperança no momento. Se segura em mim, faz o que eu digo, a gente vai sair dessa fácil. – Ele me ajudou a subir na mesinha de madeira na frente da porta. – Confia em mim? – Que escolha eu tenho se não confiar?
- Confio.
- Então segure firme– Eu abracei Ethan com força. Balançamos por um momento como pêndulos no ar, vi os errantes entrando no quarto segundos antes de passarmos pela janela quebrando-a com a colisão dos nossos corpos.  Alguns zumbis correram atrás de nós, caindo nos chão e se explodindo quando colidem com ele. Ethan me segurou com mais força, e com o braço preso a corda deslizou até o fim dela. Depois disso fomos escalando pela estrutura danificada do hospital.
- Foi divertido – Disse. Ele sorriu. Ethan estava com vários cortes rasos pelo rosto e braços, eu também. Peguei a mochila dele, e corremos para a casa.
Tarde demais.
Nathan pegou todos os medicamentos com pressa, injetou o remédio no corpo já inerte de Simas, e isso não adiantou de nada. Não acredito que não conseguimos. Foi tudo uma total perda de tempo
- ONDE VOCÊS ESTAVAM?! – Link se levantou – SE TIVESSEM CHEGADO CINCO MINUTOS ATRÁS...
- Fizemos o possível cara – Respondeu Ethan. Foi nessa hora, em que Link furioso e triste com a gente e Ethan respondendo derrotado,  que a voz voltou a minha cabeça “você nunca vai ser suficiente para todo mundo,mas com certeza vai ser perfeito para alguém”  e nesse caso eu não fui o suficiente para mim, talvez tenha feito o possível aos olhos de Ethan ou Nathan ou Lisa não sei... A verdade, talvez a pior verdade, aquela que eu não vejo, mas ainda sim a verdade é que nós tentamos. Fizemos de tudo. Quase morremos naquele hospital, mas pra que? Pra deixar Simas morrer. Não fui rápida o bastante. Não fui boa o bastante. Falhei. De novo.


Foda-se merda. Coloca fogo nessa porra. Coloca fogo no mundo. Acaba com isso. Agora”

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